
Em Cascavel, um analfabeto foi aprovado em concurso público realizado em 2004. Outro concurso, no Município de Groaíras, em 2006, atribuiu a alguns aprovados pontuação maior dos que eles realmente obtiveram. Um dos candidatos ao cargo de enfermeiro, por exemplo, acertou apenas nove questões, mas lhe foram atribuídos 27 acertos. E o pior: o candidato não havia nem assinado o cartão resposta - o que tornou impossível até mesmo comprovar se foi ele mesmo quem fez a prova. Concorrendo ao cargo de professora polivante, uma candidata também considerada aprovada tinha acertado nove questões, 20 a menos que as 29 que apareciam na divulgação do resultado.
Em 2006, o Ministério Público do Trabalho identificou as irregularidades e pediu a anulação do concurso. Dois anos depois, o pedido foi acatado pela Justiça e a Prefeitura teve de afastar todos os servidores aprovados que já estavam prestando serviço. Em Cascavel, o concurso não chegou nem a ter os convocados aprovados. Segundo o coordenador titular da Coordenadoria Nacional de Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública, procurador Antônio de Oliveira Lima, na seleção que teve o analfabeto entre os aprovados, o argumento encontrado para conseguir a anulação foi o fato de somente a prova escrita ter sido realizada, sendo dispensada a prova de títulos.
Nepotismo
Relações promíscuas entre gestores públicos e empresas fantasiadas de fundações ou institutos, envolvendo fraude na realização de concursos públicos, vêm de longa data, segundo avalia o Ministério Público. Mas foi em 2008 que as irregularidades se intensificaram, na tentativa de burlar a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) - aprovada em agosto do ano passado - que proíbe a contratação de parentes até terceiro grau pelos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo.
“Foi essa decisão do STF que desencadeou a realização de um monte de concursos, uma verdadeira febre, e aí foi que se intensificaram essas tentativas de burlar a lisura dos concursos, para colocar os parentes, os amigos, os apadrinhados”, afirma o promotor de Justiça Ricardo Rocha, da comarca de Caucaia.
Segundo levantamento realizado pela Procuradoria de Crimes contra a Administração Pública (Procap) da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), a pedido do O POVO, entre 2007 e 2008, o Ministério Público atuou em pelo menos dez municípios cearenses para evitar a manipulação dos resultados de concursos: Icapuí, Pacajus, São Luiz do Curu, Itapajé, Icó, Caucaia, Graça, Paracurú, Caririacú e Quixadá. Já a Procuradoria Regional do Trabalho interveio em concursos realizados em outros cinco municípios: Pacajus, Aracati, Cascavel, Mulungu e Groaíras, segundo levantamento realizado também a pedido do O POVO.
Um dos casos de maior notoriedade foi o de Caucaia. O Ministério Público atuou para suspender, no fim do ano passado, concurso para 4.426 servidores. Entre as irregularidades apontadas na seleção, que ocorreria às vésperas de a então prefeita, Inês Arruda (PMDB), deixar o poder, foi destacada a geração de despesas para o próximo gestor, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Quando tomou posse, o atual prefeito, Washington Góis (PRB), decretou o cancelamento da licitação do concurso. O diretor fiscal do Instituto Cidades - que venceu a licitação para a realização do concurso -, Francisco Martins Chaves, ressaltou que o próprio instituto chegou a provocar o Ministério Público a suspender o concurso. “O instituto achou por bem que a atual administração realizasse o concurso”, afirma. Entretanto, insatisfeito com a decisão do atual prefeito em cancelar a licitação por decreto, Chaves entrou com um mandado de segurança contra a decisão de Góis.
Em São Luiz do Curu, a 81 Km de Fortaleza, outro concurso foi cancelado pela Justiça no fim de 2007. Segundo o Ministério Público, não havia justificativa para a dispensa de licitação na contratação da entidade que promoveu o concurso. “Descobriu-se que o processo de dispensa de licitação, inclusive todos os pareceres, era idêntico a processos de outros municípios. Havia uma produção em série. Ficou claro que a coisa era direcionada”, relata o promotor Nestor Cabral, desacreditando que as etapas seguintes do certame poderiam se dar de forma honesta. “O TCM (Tribunal de Contas dos Municípios) fez concurso por dispensa, o TCE (Tribunal de Contas do Estado) fez por dispensa, o TCU (Tribunal de Contas da União) - que fiscaliza as ações do Governo Federal, fez por dispensa, a Assembleia Legislativa do Ceará fez por dispensa. Qual é a dúvida quem tem?”, questiona Francisco Martins, cujo instituto também foi responsável pelo concurso de São Luis do Curu. Para ele, todo o embróglio criado em torno do certame deveu-se a divergências pessoais entre a prefeita na época, Marinez Rodrigues (PR), e o então promotor da comarca, Nestor Cabral. (Ítalo Coriolano)
E-MAIS
>Zeilma Loiola, irmã da ex-prefeita de Groaíras, Zoélia Loiola (PTB), foi quem apresentou justificativas para a anulação do concurso realizado em 2006. Alegando que a irmã havia saído de casa, Zeilma garante que não houve nenhum problema no concurso. "Se tivesse irregularidade, eu tinha entrado", afirma Zeilma, que também participou da seleção, concorrendo a uma das três vagas abertas para o cargo de secretária. Segundo ela, até um "inimigo" da ex-prefeita passou no concurso. "Achei tudo muito organizado", reforçou Zeilma, que, a propósito, fez questão de destacar que foi Miss Ceará em 1984. A hoje assessora de Zoélia foi também nomeada primeira-dama na gestão passada, já que a irmã não é casada. "Mas eu não tinha remuneração", esclarece.
>Ana Paola Lopes, procuradora geral de Caucaia na época em que o concurso foi cancelado, confirmou que poderia ter havido erro na elaboração do edital e que todos seriam reparados. Ela garantiu que a Prefeitura de Caucaia solicitou ao Instituto Cidades, empresa contratada para realização da seleção, que arquivasse toda a documentação por cinco anos.
> O ex-prefeito de Cascavel, Eduardo Florentino (PSDB), o Tino, não foi encontrado em nenhuma de seus telefones residenciais. Seus três celulares estavam desligados.
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