Taxas de inscrição, exclusão e democracia

Por: William Douglas

O ingresso em universidades administradas pela União ou pelos Estados, bem como em cargos públicos é uma das mais importantes conquistas da democracia. Qualquer integrante da sociedade deve ter a chance de se educar em uma universidade gratuita ou de participar da gerência do Estado, em qualquer de seus diversos postos de serviço à coletividade.


O ingresso na universidade e nos cargos públicos, mediante concurso, é uma forma de permitir que qualquer do povo possa alcançar esta honrosa posição e oportunidade de aprender e de servir. O concurso público ou o vestibular tornam obsoletos caminhos vergonhosos e tristes, como o pistolão, o “QI” (“quem indica”), o cabide eleitoral, o nepotismo e outras práticas semelhantes, típicas de países subdesenvolvidos, cartoriais, autoritários e sem futuro.

O estudo, embora mais fácil para os economicamente mais bem posicionados, é caminho que também pode ser trilhado pelo pobre, pelo excluído social. Através do estudo é que muitos alcançaram uma melhoria de vida e de condição social e econômica. Melhoria esta que é uma das características da democracia, em oposição às sociedades de castas e de privilégios.

Lamentavelmente, por um lado, o governo vem tentando substituir o concurso público por caminhos que, sob a promessa de serem mais eficientes e rápidos, na verdade, guardam portas para aqueles velhos oportunistas e apadrinhados que estamos acostumados a ver desde o descobrimento. Por outro, o acesso às universidades públicas vem sendo obtido mais pelos melhores aquinhoados do que por aqueles que não podem pagar uma universidade privada. Para ter-se idéia do problema, há estatísticas indicando que negros e pardos, embora representando 44% da população, ocupam apenas 5% das vagas no ensino superior. Ainda hoje, a escravatura não foi suficientemente debelada. Além disto, os excluídos pela cor podem ser agregados, hoje, aos excluídos pela falta de posses, pela falta de meios de sobrevivência, de escola, de saúde, de trabalho, de dignidade.

As elites parecem não saber que a falta de comida, escola, oportunidades, trabalho e outros bens inalienáveis está gerando uma massa tão grande de excluídos, que tornará impossível a paz social, como já começa-se a perceber, cada vez mais. O que será que pretendem? Ao surgir o caos, partir para países do Primeiro Mundo? Não seria melhor um pouco menos de ganância e mais paz e tranqüilidade aqui, neste país?

Parte significativa da exclusão social que mata a democracia ocorre quando se limita ou impede o acesso à educação e aos cargos públicos, quando se proíbe ou dificulta gravemente ao pobre a possibilidade de, com seu esforço e mérito, melhorar de vida.

E os governos têm feito isso incessantemente, não só através de políticas míopes e obtusas, mas, no ponto que quero tocar especificamente aqui, ao estabelecerem pesadas taxas de inscrição para os exames vestibulares e concursos públicos.

Não seria um absurdo que os exames fossem gratuitos. Quando menos, que as taxas fossem módicas, pequenas, talvez mesmo simbólicas. O máximo que poderia se admitir seria que as taxas pagassem a despesa com os concursos, mas nem isto parece ser o que ocorre. No caso das universidades, se o ensino é gratuito, por que também não a seleção? No caso dos cargos públicos, não é o empregador quem deve arcar com os custos da seleção?

Porém, a julgar pelas extorsivas taxas atualmente cobradas, parece que os concursos viraram mais uma forma de fazer-se caixa e arrecadação, aproveitando-se do sonho da universidade ou do cargo público. Existem universidades e concursos cobrando taxas iguais ou maiores que um salário mínimo, quando a grande maioria da população vive com menos de três salários mínimos por mês.

Não nos parece razoável que queiram os administradores fazer dinheiro com vestibulares e concursos. Além do mais, é normal que as pessoas não sejam aprovadas no primeiro vestibular ou concurso, bem como é natural que queiram fazer vários concursos para adquirir experiência até estarem bem preparadas ou alcançarem exatamente o curso superior ou cargo almejado. Com taxas de inscrição caras, o fato é que os ricos podem fazer quantos concursos ou vestibulares desejam, e os mais pobres (até nisto) ficam limitados em suas oportunidades.

Nem se diga que as taxas diminuem o número de candidatos e facilitam a realização do certame, porque essa redução vai ocorrer exatamente nos despossuídos, que terão menos chances de competir que os mais abastados. A forma justa e democrática de resolver o problema do grande número de candidatos não é a exclusão dos mais pobres, mas sim, a realização de provas preliminares e de uma seleção mais inteligente e prática.

É louvável a atitude de algumas instituições, que vêm concedendo isenções nas taxas de inscrição. Entendemos, contudo, que a solução ideal consiste em estabelecer, por bom senso, mediante a gratuidade nos exames ou, quando menos, um limite para as taxas de inscrição, como, apenas a título de sugestão, um pequeno percentual do salário mínimo, nunca maior do que 10%.

Certamente, esta gratuidade ou valor módico, embora diminuindo a arrecadação do concurso (que não é o objetivo do mesmo), tornará os concursos e vestibulares mais democráticos, permitindo uma menor discriminação em face dos cidadãos menos favorecidos economicamente.

Esta medida, mesmo não sendo o suficiente para garantir a isonomia, com certeza, já representará um grande, importante e honesto passo em direção à igualdade de acesso e à democracia.

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