Querer e Poder

As duas palavras acima, individualmente, podem nos levar a uma série de conjecturas sobre o seu significado. Mas, neste momento, vou adotar uma ótica do querer poder em contrapartida ao poder querer.

Observando estas duas formações, pode-se ter dúvida sobre possíveis diferenças entre uma e outra. Entendo que existem.

Vejo querer poder como a visão daquele que, estando em situação subalterna, deseja galgar posições onde possa mandar. De outra forma, vejo o poder querer como a situação daquele que, estando em posição de mando, pode sonhar e exercitar seus desejos.

Faço este introito para tecer breve abordagem sobre um país situado ao sul da linha do equador, onde as dificuldades de seu povo são minimizadas por ações de personagens apelidados de reis, fenômenos e outros assemelhados que, embora realizadas em grandes palcos, não são necessariamente artísticas.

Neste país mora um sujeito baixinho, de fala gozada, oriundo das camadas mais pobres da população, que vivia incitando as pessoas a se unirem em torno dele para que conseguisse ter poder e assim levar àquela massa as benesses que julgava poder distribuir.

Ele achava que somente com seu discurso e o apoio dos companheiros conseguiria colocar no peito a faixa mais significativa daquele país, situação aliás, que já havia experimentado diversas vezes e com muita alegria, ao portar a faixa de campeão de seu time preferido. Time que tem como símbolo um herói estrangeiro, mas que o fazia sentir-se um super-herói nacional.

Tal não vinha sendo sua tristeza ao perder sucessivos embates na sua busca de atingir o poder. Dentre os que o derrotaram, dois se destacaram. Um primeiro, pelo colorido que espalhou sobre aquela terra como se fosse um arco-íris, mas que trazia em suas cores, além das belas, algumas sombrias que cobriram aquela gente feliz de tristeza, tanto que o botaram para correr. O segundo, um sujeito elegante de fala macia, que discorria tanto na língua pátria como em outras, que muitos chamavam com reverência de professor, e que, como o baixinho de fala gozada, também tivera seu momento de insurgência contra os poderosos, mas que de forma inteligente soube contornar os obstáculos e apresentar-se como o grande salvador da pátria, oferecendo-lhe, inclusive, uma nova moeda que prometia estabilidade econômica e felicidade para todos.

A tomada do poder pelo sujeito elegante e bem falante arrasou o baixinho de fala gozada, levando-o a ficar a olhar o sucesso do outro por oito longos anos, sem nada mais poder fazer do que tecer críticas sobre suas ações, fossem elas boas ou más.

Entretanto, observando as atitudes do seu algoz, ele despertou para a realidade de como resolver a questão de querer o poder para poder querer. Pegou sua turma e saiu arrebanhando quem estivesse disposto a acompanhá-lo naquela cruzada em busca do planalto - assim se chamava o lugar para onde ele queria ir exercer o poder - e, deixando de ser um tipo de D. Quixote lutando contra os moinhos de vento, partiu para uma luta ferrenha, serrando todas as alianças adversárias e trazendo para junto de si alguns dos, até então, mais fiéis companheiros do professor.

E o baixinho conseguiu. Botou para correr o amigo do sujeito elegante de fala macia que o enfrentou e mais quem se apresentou, e sentou-se no trono, quero dizer na cadeira do poder.

E aí, quando ele pensou que iria por em prática todas as idéias que vinha acalentando nos últimos, sei lá, 30 anos, descobriu que ter o poder necessariamente não implica exercê-lo. Com a quantidade de alianças negociadas e diversidade dos novos companheiros cooptados, tinha o poder que sempre buscara, mas não podia fazer o que queria.

E ele usou a faixa de campeão, digo, a faixa que representava seu poder, mas quem o exercia eram os outros companheiros, tanto os antigos que haviam redirecionado seus pensamentos para realidades mais proveitosas economicamente, como os novos que, sem qualquer comprometimento com o seu passado nem com o futuro daquele (in)feliz país situado abaixo da linha do equador, continuavam a tirar proveito do tesouro público como sempre fizeram antes de juntarem-se à turma do baixinho de fala gozada, agora também gordinho.

E aquele sujeito baixinho e gordinho de fala gozada que agora estava no poder, descobriu que mesmo tendo-o não podia fazer o que sonhou, por não saber como ou porque os velhos e novos amigos não deixavam e, sentado na cadeira palaciana, muitas vezes pairando acima do solo em deslocamentos para outras terras, via que o povo continuava a encher os estádios para assistir ao circo, mesmo que continuasse a lhes faltar o pão, a casa, o remédio e tudo mais o que ele sempre lhes prometera dar, se um dia chegasse ao poder.


Carlos Nogueira, administrador, professor, autor do livro “Administração Pública” direcionado para concursos.

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